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quarta-feira, 23 de maio de 2012

A comédia no romantismo brasileiro - Martins Pena



 “Tudo é parcialidade, e não só no mundo
como no céu, que é mais ainda!”
MARTINS PENA


Luís Carlos Martins Pena nasceu no Rio de Janeiro em 1815 e morreu em Lisboa em 1848.Martins Pena foi essencialmente um homem de teatro. Entretanto não descobriu a vocação imediatamente. Sem fortuna, órfão de pai e mãe aos 10 anos, e sem acesso ao grupo de intelectuais ao redor da confraria do trono, foi encaminhado para as aulas de comércio por seus tutores comerciantes. Embora tivesse terminado o curso com brilho, não sentia apelo pela profissão, e com certeza ajudado pela irmã que se casara com um alto funcionário da Alfândega, passou a estudar na Academia de Belas Artes, que ainda contava com alguns professores franceses da missão cultural. Com eles Martins Pena adquiriu conhecimentos de pintura, estatuária e arquitetura. Também estudou música e canto, por conta do bom ouvido e de sua admirada voz de tenor. Enquanto isso também estudava literatura e inglês, francês e italiano, línguas que chegou a falar fluentemente, segundo dizem.

Essa formação variada e não ortodoxa decerto facilitou-lhe o desenvolvimento do gosto artístico, aguçando o ouvido e o olhar de observador, qualidades imprescindíveis a quem alimente pretensões teatrais. "Bons olhos e bons ouvidos (ouvido do crítico de música que ele foi) eis certamente o que não faltava a Martins Pena." Acrescente-se o momento politicamente perturbado em que viveu, que deve ter contribuído para o amadurecimento da sensibilidade social, atento aos movimentos revolucionários da época.

Em Martins Pena, considerado o fundador do teatro e da comédia brasileiros, há dois aspectos fundamentais. Escrita em pleno Romantismo, sua obra escapa aos cânones do movimento, tendendo já às soluções realistas pelo empenho em retratar tipos e costumes da vida cotidiana. Por outro lado, ele foi o primeiro grande autor do país a escrever somente para o palco, quando outros viam na criação teatral uma espécie de ramo secundário da literatura mais séria. Ao fazer um humor verbal, com trocadilhos e jogos de palavras, suas peças se afastaram da tradição lusitana, valorizando o modo de falar brasileiro, adotando expressões populares e repondo-as muitas vezes em uso com nova picardia e mais força. Sempre montado e remontado com absoluto sucesso, este comediógrafo é até hoje um mestre, pela perícia ao combinar suas cenas, ao dispor seus efeitos e ao arquitetar seus diálogos. É um caricaturista em palavras, que vergasta a sociedade ao desnudar-lhe os ridículos.



Se às vezes as comédias de Pena são avaliadas como ingênuas, negligentes quanto à linguagem e ideologicamente isentas ("a verdade aqui, para não provocar indignação, carece de ser auxiliada provocando bom frouxo de riso", diz ele nos Folhetins ), por outro lado encontramos observações como a de Ruggero Jacobi e a de Sílvio Romero: "Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da história brasileira dos primeiros cinqüenta anos deste século XIX, que está a findar, e nos ficassem somente as comédias de Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral de toda essa época".

Não há como discordar. Aí estão, desdobrados em vários momentos, nossos vícios maiores: a política do favor como mola social, a corrupção em todos os níveis, a precariedade e atraso do aparelho judicial, a exploração exercida por estrangeiros e a má assimilação da cultura européia importada, que o inspirou a escrever irônicas paródias da ópera, como O diletante, ou dos melodramas levados à cena por João Caetano. Acrescentem-se a esse rol o contrabando de escravos, os mecanismos da contravenção, a servidão por dívida, comportamentos sexuais e familiares, etc. Esses e outros aspectos que percorriam a sociedade brasileira de alto a baixo são exibidos no palco.

Cito um trecho de Os dous ou O inglês maquinista, que estreou em 1845, sendo imediatamente censurada pela Câmara dos Deputados, porque "aparece em cena um contrabandista de africanos trazendo um debaixo de um cesto". Trata-se da cena 13, quando o Negreiro entra na sala acompanhado de um velho preto de ganho com um cesto na cabeça, "coberto com um cobertor de baeta encarnada".

Negreiro — Boas noutes.

Clemência — Oh, pois voltou? O que traz com este preto?

Negreiro— Um presente que lhe ofereço.

Clemência — Vejamos o que é.

Negreiro — Uma insignificância...Arreia, pai! (Negreiro ajuda o preto a botar o cesto no chão. Clemência, Mariquinha chegam-se para junto do cesto, de modo porém que este fica à vista dos espectadores.)

Clemência — Descubra. (Negreiro descobre o cesto e dele levanta-se um moleque de tanga e carapuça encarnada, o qual fica em pé dentro do cesto.) Ó gentes!

Negreiro — Então, hem? (Para o moleque) Quenda! Quenda! (puxa o moleque para fora.)

Clemência — Como é bonitinho!

Negreiro — Ah, ah!

Clemência — Por que o trouxe no cesto?

Negreiro — Por causa dos malsins...

Clemência — Boa lembrança. (Examinando o moleque.) Está gordinho...bons dentes...

Negreiro, à parte, para Clemência — É dos desembarcados ontem no Botafogo.

Não podemos nos esquecer que a questão do tráfico negreiro era a mais espinhosa do momento. De forma provocativa Martins Pena não só exibe todo o trâmite da contravenção, que envolvia deputados, desembargadores e ministros, como também transforma em vilões figuras respeitadas na sociedade. O inglês, não por acaso denominado Gainer, bem poderia exclamar como seu conterrâneo em As casadas solteiras: "Brasil é bom para ganhar dinheiro e ter mulher... Os lucros... cento por cento... É belo".

No entanto, a verdadeira invenção formal de Pena foi introduzir na simetria da tradição cômica (velhos versus jovens, serviçais versus amos, nacionais versus estrangeiros, etc.) uma assimetria básica: a presença dos escravos, que se deslocam no palco sem correspondência de pares. Sem voz e sem razão, trabalham sem descanso, chicoteados, empurrados, enganados, sugerindo uma outra história recalcada pela trama colorida e veloz que gira diante dos olhos do espectador.

Dentre suas obras as que mais se destacam são as seguintes:

· 0 Juiz de paz na roça

· Os Irmãos das Almas

· 0 Judas em sábado de Aleluia

· Os Dois ou 0 Inglês maquinista

· Os Namorados ou a Noite de S. João

· Os Três Médicos

· 0 Cigano

· 0 Noviço

· As Casadas Solteiras

· Quem casa, quer casa

· 0 Segredo d'Estado

· D. Leonor Telles

Segue um breve resumo de algumas de suas mais importantes obras, para despertar-lhes a curiosidade de conhecê-las na integra.

O NOVIÇO

Uma das poucas peças de Martins Pena em três atos, O noviço gira em torno da pérfida ação de Ambrósio que se casa por interesse com Florência, rica viúva, mãe da jovem Emília, do menino Juca e tutora do sobrinho Carlos, este o personagem principal da peça O vilão Ambrósio já havia convencido a mulher a colocar Carlos (o noviço) em um seminário. Agora quer também internar Emília em um convento, pois ela se encontra em idade de casar e teria de receber um dote significativo da mãe. Igual destino aguarda o menino que deve se tornar frade. Assim, Ambrósio ficaria com toda a fortuna de Florência. Carlos, no entanto, foge do convento e esconde-se na casa da tia, já que quer fazer carreira militar e, sobretudo, desposar a prima Emília, por quem está apaixonado. O acaso o ajuda na luta contra Ambrósio: vinda do Ceará, surge Rosa, a primeira mulher do vilão e da qual ele não se separara oficialmente. Rosa conta a Carlos que o seu marido desaparecera com todo o dinheiro que ela possuía. O problema imediato de Carlos, porém, é livrar-se do Mestre dos Noviços que está atrás dele para reconduzi-lo ao convento. Em cena hilariante, aproveita-se da ingenuidade da mulher e troca de roupa com ela. Esta, em seguida, é encontrada pela autoridade religiosa com a batina do rapaz. Confundida com o noviço fugido, é remetida imediatamente ao seminário. Enquanto isso, Carlos, vestido de mulher, começa a ameaçar Ambrósio com a história de sua bigamia. Após inúmeras peripécias, o vilão é desmascarado diante da própria Florência, e os jovens Carlos e Emília ficam livres para o mútuo envolvimento amoroso.
OS DOIS OU O INGLÊS MAQUINISTA

Mariquinha e seu primo Felício se amam, mas como este é pobre não há possibilidade de casamento. A moça é cortejada por outros dois homens: Negreiro, um traficante de escravos, e Gainer, um inglês espertalhão. A crítica operada contra os dois personagens – ambos desejosos de obter a fortuna pessoal da jovem mediante o casamento – parece transcender à banalidade das tramas de Martins Pena. Funciona como metáfora da própria realidade nacional, dominada no plano econômico pelos traficantes e pelo capital inglês. À chegada do pai de Mariquinha, a quem todos julgavam morto, soma-se o conflito entre o inglês e o traficante (outra metáfora da história do Brasil da época?), permitindo a revelação dos caracteres degradados dos dois pretendentes. Assim, Mariquinha e o primo Felício podem efetivar a relação amorosa, como se o brasileiro simbolicamente tomasse posse da riqueza da nação

O Juiz de Paz Na Roça

O enredo desta peça desenrola-se numa roça e retrata, de forma humorística, a simplicidade e a inocência das gentes das roças do Brasil, no século XIX. As cenas giram, sobretudo, em torno de uma família da roça - Manuel João; Maria Rosa, sua mulher; Aninha, sua filha e o negro Agostinho - e o quotidiano de um juiz de paz.
O juiz de paz, um homem corrupto, usa a autoridade e a inteligência para lidar com a absurda inocência daquela gente que lhe apresenta os casos mais cômicos e despropositados. Não intencionalmente corrupto, o escrivão é o seu servo mais próximo e é ele que dá seguimento às suas ordens, surpreendendo-se, por vezes, com algumas das suas decisões.



Martins Pena é o patrono da Cadeira n. 29 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Artur Azevedo.



Fontes:

Marlyse Meyer. "O inglês nas comédias de Martins Pena". In: Pirineus, caiçaras... Da Commedia dell´Arte ao Bumba-meu-boi. 2a. Campinas: Editora da Unicamp, 1991, pp. 95 e ss.

Paula Beiguelman. "Análise literária e investigação sociológica". In: Viagem sentimental a D. Guidinha do Poço. São Paulo: Editora Centro Universitário, 1966.

Sílvio Romero, História da literatura brasileira. 5a. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953, t. IV, p. 1.477.

Teatro de Martins Pena. Comédias. Dramas. 2 vols. Edição crítica de Darcy Damasceno, colaboração de Maria Filgueiras. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1956, p. 436, vol. 1.

V. Arêas, "No espelho do palco". In: R. Schwarz (org.). Os pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp .26-30

www.mundocultural.com.br


José Vilson

3 comentários:

  1. José Vilson, foi muito boa sua lembrança. Martins Pena foi muito significativo para o Romantismo e para o teatro nacional.

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  2. Muito bom, sendo que ele foi também muito importante,e que hoje em dia não vemos falar muito dele, e sim de: Castro Alves, Gonçalves Dias etc. Ele trouxe a comédia para o nosso País, Martins Pena quando comecei a ler um pouco sobre ele, vejo que não se saiu bem nas Farsas e Dramas , mas na comédia foi espetacular!

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