A Morte na
Literatura de Vampiros
Texto de Ana Lucia Santana
À primeira
vista parece surpreendente que a recente onda de vampiros na literatura faça
tanto sucesso e conquiste um número cada vez maior de adeptos. Algo que chama a
atenção, porém, nesta leitura, é a questão da presença consistente do que se
entende por sobrenatural.
O mundo
contemporâneo avançou, sem dúvida, no campo das descobertas científicas, do
avanço tecnológico, das explicações racionais, da sociedade esclarecida e
asséptica; o Homem parece caminhar na direção de um universo semelhante ao
previsto pelo escritor Aldous Huxley, em sua obra Admirável Mundo Novo, no qual
não há mais lugar para a dor, o sofrimento e a morte, sanados e exilados da
vida humana através de pílulas desenvolvidas para esse fim.
Deste cosmos
humano foi expulso também o encantamento, mas não sem um alto preço a se pagar
por esta exclusão. Todas as eras e civilizações conviveram sem problemas com mitos,
lendas, histórias e ‘causos folclóricos’; pode-se dizer que nossa era é uma
exceção a esta regra implícita. Isto, sem dúvida, abala o emocional do ser
humano, pois um elemento fundamental de sua psique está sendo extirpado
gradualmente, com a ajuda do entorpecimento provocado pelo consumismo
desenfreado.
Porém, nenhuma
conquista tecnológica substitui o encanto mítico, a presença de uma esfera que
transcende a realidade e ajuda o Homem a trabalhar suas emoções e,
principalmente, suas perdas. Vivemos em uma sociedade que tenta, a todo custo,
eliminar até mesmo a presença da morte, inevitável na jornada humana, e passa a
acreditar que é indestrutível, eterna e imortal, ignorando inclusive a própria
História – testemunha de impérios e civilizações que desmoronaram e jazem
sepultadas há milênios, vítimas da passagem implacável do tempo.
Mas o ser
humano necessita de uma dose de fantasia na sua existência, como defende, entre
outros, o Professor Antonio Cândido. Daí o inegável sucesso das novelas e
tramas cinematográficas, assim como da literatura. Por esta razão, talvez não
seja tão assombroso o impacto provocado pela saga Crepúsculo, de Stephenie
Meyer, e de outra série que consta nas listas dos mais vendidos, A Morada da
Noite, de P. C. Cast e Kristin Cast, entre outras obras que têm como
protagonistas os ancestrais vampiros.
Embora ela
encontre adeptos em todas as faixas etárias e gêneros, é inegável que a maior
parte dos leitores é composta por adolescentes. Este público é o que se
encontra mais imune à alienação desencadeada pelos mecanismos que regem a era
pós-moderna e, portanto, o mais acessível às questões existenciais, tão bem
trabalhadas por estas autoras em seus livros.
Temas como a
vida humana, o seu valor, a eternidade, a existência em um outro plano, e a
morte, vista principalmente como um fator de transformação, não de finitude,
são discutidos amplamente nestas obras. É curioso perceber que nem mesmo o
vampiro é visto como um ser indestrutível e imortal nesta literatura; apesar
de, em famílias adeptas de um vampirismo mais ‘clean’, ou seja, vegetariano,
como na série Crepúsculo, eles viverem até mesmo por centenas de anos, esta
entidade sobrenatural jamais é descrita como um ser destinado à eternidade.
Se até mesmo um
vampiro, como Edward, de Crepúsculo, se preocupa com o destino de sua alma,
acreditando que está condenado por ter se transformado nesta criatura, o que há
de errado com o ser humano, que, em muitos casos, nem mesmo acredita que em seu
interior habita uma essência semelhante a esta? É uma das questões que o
adolescente pode, mesmo inconscientemente, despertar em sua mente.
E quanto à
morte, tão presente nestes livros, principalmente em A Breve Segunda Vida de
Bree Tanner, de Meyer, e nos volumes que compõem a Morada da Noite? Nesta série
esta imagem é onipresente, pois nem todos os novatos marcados pela deusa Nyx
para serem futuros vampiros, passarão realmente pela transformação. Alguns
deles não conseguem atravessar este limiar; mas, curioso, há vários tipos de
morte, e nem todos os aspirantes a vamps morrem de verdade, e sim passam a
viver em uma espécie de limbo, ou de semivida.
Na saga Morada
da Noite os vampiros, ou seja, os que concretizaram a passagem, também não são
definidos como seres imortais; alguns podem viver centenas de anos, outros
encontram o fim da existência de forma precoce e violenta. Aqui, mais do que
nos outros livros, é frisada a importância do livre-arbítrio concedido a cada
ser, a escolha que pode determinar a luz ou as sombras, a redenção ou a
destruição.
Questões como
estas, e tantas outras presentes na literatura de vampiros, preenchem, pelo
menos parcialmente, a carência do ser humano, que desconhece, hoje, o
significado da vida e da morte, as implicações das decisões adotadas por cada
um, os valores morais, a importância dos mitos e do sobrenatural na compreensão
da própria trajetória humana.
É preciso,
porém, um trabalho mais profundo em torno destes temas, por meio de educadores
e outros pensadores, em um esforço interdisciplinar e inter-religioso, no
sentido de orientar os leitores destes livros na compreensão do potencial
oculto nas suas entrelinhas, com o objetivo de resgatar o encantamento de
outras eras e a própria imagem da morte, em sua antiga face de fenômeno
natural. Talvez, assim, o Homem consiga eliminar um mal maior, a violência,
comum, principalmente, entre esses mesmos adolescentes.
Fontes:
Candido,
Antonio. O direito à literatura, in Vários Escritos, Editora Duas Cidades, São
Paulo, 1995.
Meyer,
Stephenie. Crepúsculo. Editora Intrínseca, 2008, Rio de Janeiro, 416 pp.
Meyer,
Stephenie. Lua Nova. Editora Intrínseca, 2009, Rio de Janeiro, 432 pp.
Meyer,
Stephenie. Eclipse. Editora Intrínseca, 2009, Rio de Janeiro, 446 pp.
Meyer,
Stephenie. Amanhecer. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro, 2009.
Stephenie Meyer.
A Breve Segunda Vida de Bree Tanner – uma história de eclipse. Editora
Intrínseca, Rio de Janeiro, 2010, 191 pp.
P.C. Cast e
Kristin Cast. Marcada. Livro 1. Editora Novo Século, São Paulo, 2009. 328 pp.
P.C. Cast e
Kristin Cast. Traída. Livro 2. Editora Novo Século, São Paulo, 2009. 344 pp.
P.C. Cast e
Kristin Cast. Escolhida. Livro 3. Editora Novo Século, São Paulo, 2009. 295 pp.
P.C. Cast e
Kristin Cast. Indomada. Livro 4. Editora Novo Século, São Paulo, 2010. 367 pp.
P.C. Cast e
Kristin Cast. Caçada. Livro 5. Editora Novo Século, São Paulo, 2010. 397 pp.
P.C. Cast e Kristin Cast. Tentada.
Livro 6. Editora Novo Século, São Paulo, 2010. 383 pp.
Extraído de: http://www.infoescola.com/literatura/a-morte-na-literatura-de-vampiros/
por Alexandre Silva.
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